Incidência fiscal sobre deságio em créditos que foram objeto de renegociação em processo de Recuperação Judicial

Em 23 de janeiro de 2021, entrou em vigor a Lei n.º 14.112/2020, a qual promoveu diversas alterações na Lei de Recuperação de Empresas, qual seja, a Lei n.º 11.101/2005.

Uma das importantes alterações promovidas diz respeito à questão da incidência fiscal sobre créditos que foram objeto de renegociação nos autos do processo de Recuperação Judicial, ou seja, os créditos que sofreram a aplicação de deságio, trazendo alguns benefícios às empresas devedoras por ocasião da instituição de um regime de tributação específico para tais casos.

Em caso de estar o deságio dos créditos concursais previsto expressamente em clausula do Plano de Recuperação Judicial da empresa, devidamente aprovado pela Assembleia Geral de Credores e homologado por decisão do Juízo Universal, com base no artigo 50-A, incisos I e II, trazidos pela nova lei, tal deságio é passível de tributação a título de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) para empresas taxadas pelo lucro real, bem como isento de tributação a título de Contribuições ao PIS/PASEP e COFINS.

Antes da entrada em vigor da Lei n.º 14.112/2020, embora carente de previsão legal expressa, a incidência de IRPJ/CSLL sobre o deságio aprovado no Plano de Recuperação já era questão pacífica perante os órgãos julgadores da Receita Federal que, a despeito de diversas críticas por parte da doutrina tributarista especializada, que sempre considerou que tributar deságio era medida contrária ao ideário de preservação da empresa, sempre decidiram pela incidência de IRPJ/CSLL sobre a sobredita receita, basicamente por entenderem haver acréscimo patrimonial à empresa devedora em função do perdão parcial do débito, sendo que havia inclusive a Solução de Consulta COSIT n.º 21/2013 da Receita, a respaldar tal entendimento.

Já no tocante especificamente à incidência das Contribuições ao PIS/PASEP e COFINS sobre deságio, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) da Receita Federal em Brasília, órgão recursal, por meio de suas Turmas, havia proferido recentemente 02 (dois) julgados em sentidos diametralmente opostos quanto à referida incidência, ou seja, o Recurso Voluntário, Acórdão n.º 3201002.117, de 17 de março de 2016, que decidiu pela incidência de PIS/PASEP e COFINS sobre tal receita, e o Recurso Voluntário, Acórdão n.º 3402004.002, de 30 de março de 2017, que decidiu pela não incidência de PIS/PASEP e COFINS sobre tais verbas.

Em razão disso, quanto à aludida questão tributária, era necessário que uma lei viesse a chancelar o entendimento jurisprudencial administrativo já existente a respeito da incidência de IRPJ/CSLL sobre deságio, bem como a sanar dissídios interpretativos quanto à incidência de PIS/PASEP e COFINS sobre o mesmo.

Embora tenha expressamente positivado a incidência de IRPJ/CSLL e isentado a incidência de PIS/PASEP e COFINS sobre deságio em Recuperação Judicial, a nova Lei de Recuperação de Empresas trouxe, por outro lado, benefícios à empresa devedora, tais como, por exemplo, que o ganho obtido pelo devedor com a redução da dívida não se sujeitará ao limite percentual de que tratam os artigos 42 e 58 da Lei nº 8.981/1995, na apuração do IRPJ e da CSLL, bem como que as despesas correspondentes às obrigações assumidas no Plano de Recuperação, tais como despesas com Administrador Judicial, dentre outras, serão consideradas dedutíveis na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, desde que não tenham sido objeto de dedução anterior, além da autorização do parcelamento das dívidas fiscais em até 120 (cento e vinte) meses, ou seja, 10 (dez) anos, e não mais apenas 84 (oitenta e quatro) meses, conforme previa anteriormente o artigo 10-A da Lei n.º 10.522/2002, prevendo, por fim, o uso de créditos de prejuízos fiscais para pagar saldo devedor em parcelamento.

É importe observar que tais inovações legislativas trazidas pela Lei n.º 14.112/2020 no tocante às benesses fiscais, não se aplicam, por exemplo, às denominadas “partes relacionadas” da empresa devedora, ou seja, às pessoas físicas ou jurídicas, seus sócios, sociedades coligadas, controladoras, controladas ou as que tenham sócio ou acionista com participação superior a 10% (dez por cento) em seu capital social ou em que a empresa ou algum de seus sócios detenham participação superior a 10% (dez por cento) do capital social, por força de vedação expressa imposta pelo artigo 50, parágrafo único, incisos I e II, da aludida lei.

Uma questão que certamente se apresentará perante a jurisprudência de nossos tribunais em breve, é saber se, a partir da entrada em vigor da nova lei,  que ocorreu em março de 2021, as suas disposições acerca de taxação de IRPJ/CSLL e de isenção de PIS/PASEP e COFINS sobre deságios em Planos de Recuperação aprovados e homologados, terão o poder de retroagir para fins de alcançar Recuperações Judiciais existentes antes de sua entrada em vigor ou se tais efeitos seriam aplicados apenas a partir do início de sua vigência.

Observe-se que o Código Tributário Nacional trata da denominada retroatividade benigna da legislação fiscal, cuja matéria envolva infração ou multa punitiva, aplicável sempre que a lei nova for expressamente interpretativa.

Considerando que a lei inovadora não estabeleceu critérios de aplicação no tempo, resta aferir se a jurisprudência brasileira considerará que os dispositivos do artigo 50-A, incisos I e II, da nova lei de RJ, trouxeram apenas novos critérios interpretativos ou se efetivamente instituíram inovação tributária, ou seja, se criaram-se exações, hipótese em que não poderia retroagir para alcançar situações pretéritas à sua vigência, sobretudo em função do princípio da anterioridade nonagesimal, que impõe que o fisco só pode exigir um tributo instituído ou majorado decorridos 90 (noventa) dias da data em que foi publicada a lei que os instituiu ou aumentou, conforme a alínea “c”, do inciso III,  do artigo 150, da Constituição da República de 1988.

Muito em breve, surgirão as primeiras decisões judiciais a respeito, dado caráter recente da entrada em vigor da Lei n.º 14.112/2020.

Por: Fabrício Amaral e Márcio Bessa, respectivamente associado e sócio do escritório Valfredo Bessa e Grazziano Advogados.

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