O Índice Geral de Preços Mercado (IGP-M), tradicional indexador utilizado para reajustar contratos imobiliários em geral, vem registrando altas significativas nos últimos meses. O IGPM de janeiro de 2021, divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) na última quinta-feira (28/1), registrou um avanço de 2,58% em relação ao mês anterior, acumulando alta de 25,71% em 12 meses. É o maior valor nos últimos 17 anos.
A escalada do IGP-M é desproporcional a outros índices que apuram a inflação. Como exemplo, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), acumula alta de 4,52% nos últimos doze meses, aumento quase seis vezes inferior ao IGP-M no mesmo período.
Este salto do IGP-M tornou-se um problema adicional para os negócios imobiliários, os quais, em alguma medida, já vinham sendo impactados pelos efeitos da pandemia do COVID-19 (como a redução da capacidade de solvência e liquidez de inquilinos e adquirentes de terrenos e apartamentos, maior vacância de imóveis comerciais, etc.), alavancando ainda mais os pedidos de distrato e revisão dos contratos para substituição do índice de correção de preços.
A utilização do IGP-M não é obrigatória
A legislação brasileira (art. 28 da Lei 9.069/95) autoriza a utilização de índices de atualização de preços dos contratos, a fim de corrigir possíveis defasagens de preços e conservar o poder aquisitivos das partes contratantes. A lei especial das locações (Lei nº 4. 494/64, art. 18) também permite a livre estipulação de cláusulas de reajuste de preços para a correção de aluguéis.
Todavia, a utilização especificamente do IGP-M em contratos de compra e venda, aluguel e financiamento imobiliário não tem previsão legal, decorre da praxe comercial, de modo que não há dispositivo legal que determine índice ou impeça que as partes negociem índice diverso do IGP-M para atualização de preços nos contratos.
Caso a construção de um acordo não seja possível, cabe à parte que se sentir prejudicada buscar a revisão em juízo.
Os pedidos de substituição do IGP-M já estão chegando no Judiciário
Em recente decisão, de 6/1/2021, a juíza Celina Dietrich da 12ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) acolheu pedido de tutela de urgência feito nos autos da ação revisional de aluguel nº 1000029.96.2021.8.26.0228, determinando a substituição do índice de reajuste do contrato, com base em entendimento no sentido de que a discrepância da evolução de indexadores de reajustes provocou uma situação mais onerosa para um dos contratantes, em inequívoco desequilíbrio contratual, fundamentando nos artigos 317 e 393 do Código Civil.
De fato, a legislação prevê (arts. 317, 393, 478, 479 e 480 todos do Código Civil) socorro a contratante que esteja diante de ônus excessivo no cumprimento das obrigações previstas em contrato, desde que demonstre a vantagem da outra parte decorrente do evento imprevisível.
Nos últimos meses muitas demandas judiciais foram propostas tendo como motivação os impactos negativos da pandemia da COVID-19 nas atividades comerciais e na renda. E, nessa mesma esteira, começam a despontar os pedidos de revisão de contratos, fundamentados pela tese de que o deslocamento acentuado do IGP-M seja considerado evento imprevisível passível de onerar devedores.
Nos Tribunais, todavia, inclusive no Superior Tribunal de Justiça (STJ), ainda não há entendimento consolidado no sentido de considerar a inflação ou a alteração abrupta de indexadores de preços como eventos imprevisíveis ensejadores de revisão dos contratos.
Em pedido recente de revisão contratual, desta vez de contrato de compra e venda de lote imobiliário (processo nº 1006655-78.2020.8.26.0451), que também tramita no Tribunal Paulista, o juízo entendeu pela legalidade da atualização da dívida do contrato do IGP-M, que considerou ser um indexador comumente utilizado nesse tipo de contrato e sua aplicação não representaria acréscimo na dívida, mas apenas recomposição do valor da moeda e sua alteração configuraria ônus ao credor.
Essa divergência de decisões recentes demonstra que o Judiciário está longe de formar uma jurisprudência sobre a matéria. Se, de um lado, a revisão das regras de correção de preços parece favorecer inquilinos, adquirentes e devedores, em outra ponta, a inflação apurada por tais índices, decorrente da diminuição das atividades econômicas e aumento de preços no período de pandemia, também provocou perdas para proprietários, incorporadores e credores. Entendemos que a viabilidade de eventuais teses deve considerar as peculiaridades econômico-financeiras de cada caso.
Cenários atípicos ensejam a busca de soluções originais. A análise da situação contratual e o histórico da relação entre as partes contratantes ajudarão a definir a melhor estratégia em busca de composição de interesses ou mesmo para definir estratégia judicial, a fim de garantir o reequilíbrio das partes nos contratos.
Por: Heber Fechine, Márcio Bessa e Grazziano Ceará, respectivamente, associado e sócios do VBA Advogados.